Agora, um “recado das águas” para Valença
Por Jorge Amorim
Quem chegou a Valença na sexta-feira, 29 de novembro, ficaria admirado ao ver que não restava praticamente nenhum vestígio deixado pelo alagamento causado pelas chuvas ocorridas no dia anterior, quinta-feira (28 de novembro), se aqui estivesse,quando 254 milímetros de água pararam a rotina de quase todos os valencianos, localizados na microrregião do Baixo sul da Bahia, também conhecida como Costa do Dendê, devido ao transbordamento do rio que corta a cidade, o Una, e pelo represamento de águas em algumas ruas de bairros como Estância Azul, Bolívia e Graça, o qual foi provocado pela falta de escoamento naquelas.
Deve ter sido desesperador para os moradores dos bairros atingidos e de outras partes da cidade serem afugentadas pela água barrenta invadindo suas residências levando móveis e eletrodomésticos. Mas com a bonança expulsando as pesadas e plúmbeas nuvens, além de atentar-se para os prejuízos pós-tempestade, Valença ficou algumas horas sem o abastecimento de água, coincidentemente na semana posterior ao caos das chuvas, entre 03 e 04 de dezembro (terça-feira e quarta-feira, respectivamente). Ou seja, enquanto em uma semana “sobrava” água, na outra chegou literalmente a faltar.
O provável motivo que atenuou as dúvidas de muitos valencianos querendo saber “por que a água não saía pela torneira” teriam sido os problemas nos motores que impulsionam a distribuição aquífera, responsabilidade do Serviço Autônomo de Água e Esgoto, SAAE, órgão público ligado a prefeitura municipal de Valença. Criado através da lei municipal nº 676 de 21 de julho de 1965, durante a gestão de Gentil Paraíso Martins (1963-1966), o SAAE foi projetado para “operar, manter, conservar e explorar […] os serviços de água potável”, conforme reza a alínea “c” do artigo 2º daquela lei. Entendamos um pouco dela.
Com a inovação de conceder ao município a tarefa autônoma de disseminar para cada lar valenciano a água para beber, tomar banho e lavar roupa, dentre outras coisas, o SAAE é uma autarquia que tem um diretor nomeado pelo gestor municipal (artigo 3º). Trocando em miúdos, a pessoa que responde pelo SAAE é uma indicação “política” do prefeito, ação ainda permanente no governo de Jucélia Nascimento (2013-2016), o qual atribuiu a Robenilson de Miranda Reis a diretoria da entidade.
A ausência temporária de água em muitos lares valencianos na semana passada foi o estopim de reclamações, algumas destas propagadas nas rádios Valença FM e Rio Una, que vêm se avolumando de uns tempos para cá quanto a competência do SAAE. Há ruas onde a canalização existe, mas a água potável só dá o “ar da graça” dia sim, dia não; existem casas que pagam suas taxas de água no período até o vencimento, porém ela tem tido distribuição escassa.
Pergunta-se: isto tudo devido Valença ter hoje uma população urbana ultrapassando os sessenta e quatro mil habitantes e a sua rede de água não acompanhar o aumento demográfico? E também por ela não estar preparada para os turistas, os quais justamente nas altas estações – primavera e verão – dobram suas estadas?
Quando nos informamos que a “capital do camarão” não tem meses secos, que há uma época chuvosa entre abril e junho – embora vejamos chover todos os meses aqui ou acolá sobre o território – e que a bacia do rio Una reúne os rios Una, Fonte da Prata, dos Reis, Vermelho, Piau, Graciosa ou do Engenho, Patipe, adicionados pelas lagoas Douradas, São Fidélis e Derradeira, com essa dádiva aquífera regando o município podemos afirmar que escassez de água em Valença passa longe. Qual seria a provável escassez então?
Nossa competência em detectar os problemas do SAAE equivaleria pressagiarmos que amanhã desabará 500 milímetros de chuva sobre Valença. Entretanto, podemos arriscar que talvez esteja precisando para a diretoria da autarquia estudar milimetricamente a rede de distribuição com o fim de melhorá-la. Queremos evitar ao máximo perpassar a ideia de que esteja havendo “ações conspiratórias” para extinguir o Serviço Autônomo de Água, substituindo-o pela EMBASA (Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A.), ou até mesmo de cogitar a concessão do SAAE para a iniciativa privada.
De qualquer forma, independente de ser esta, a EMBASA ou outra entidade a péssima rede distributiva de água em parte das residências urbanas valencianas está distante de ser um percalço ocorrido somente entre os dias 03 e 04 de dezembro últimos.
Na verdade, alguns bairros, longe ou próximos do centro, têm sofrido todos ou quase todos os dias, prejudicando desde donas de casa e trabalhadores até médios e pequenos empresários que dependem do líquido precioso para manterem os seus afazeres domésticos e a sua produção. Para termos uma noção exata, pequenas empresas valencianas subtraíram, de uns tempos para cá, as horas diárias por causa da ausência de água, resultando na diminuição de trabalho, menos ganho financeiro e dispensa de trabalhadores que acabam entrando no fantasmagórico índice do desemprego.
Com a exclusividade local para exercer suas ações de “estudar, projetar e executar” o abastecimento de água e o sistema de rede de esgotos sanitários, o SAAE significa uma alternativa municipal para cuidar do bem estar dos seus moradores, necessitando, para tal, reestruturar-se para fazer a água chegar diariamente a todos os lares que pagam para obtê-la. Seria – e está sendo – uma triste ironia e grande contradição uma terra deitada sobre lençóis e caminhos hidrográficos ter falta d’água. Eis o “recado das águas”: que estas não se ausentem enquanto existirem aqui.
P.S.: a prolixidade deste texto foi por motivo de um problema óbvio e atual, responsabilidade da sociedade e das autoridades: a água.
Nos bastidores da política tudo pode mudar no próximo segundo.
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