Quem é a senhora? De onde vem?

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Walter Arduini

Não é Ruanda, Etiópia ou Haiti. Desgraçadamente, é aqui. Ou melhor, ali… e, ironicamente, em frente a um ícone, a um templo de riso e diversão: o circo. Do Circo Picollino e do imenso mar de Patamares.

No que restou de uma poça d’água, depois que um vira-latas (e esse calor  que nos visita fora de época) saciou sua sede, foi a vez de uma destas tantas pessoas, que  fazem do perambular sem rumo, sua fuga, usar o que restou da chuvarada rápida.

Como se saída de histórias que retratam os horrores do holocausto ou das intempéries que devastam o continente africano, uma mulher começa um chocante ritual que tem a potência de um direto no queixo. Não importa quem você é, a imagem e os atos que se seguem são devastadores e te jogam na lona. Impertubável, como se em transe, lentamente ela se despe. Sem se importar com quem passa a pé ou a bordo de seus “jatomóveis” pela avenida, em minutos está nua. Como se implodisse, fica de cócoras e, com as mãos postas em forma de conchas, se banha. Tem espaço para um enigmático e triste sorriso que vai emoldurar um rosto castigado pelo sol, machucado pelo tempo e pelo descaso.

A poça, agora, é sua palaciana banheira imaginária: o asfalto que serve de borda para represar a água barrenta é como reluzente mármore negro; o celestial céu azul que paira sobre sua cabeça é um teto de cristal e a sua frente tem uma imensa janela invadida pelo mar de Patamares. Sua varanda não tem fim e não termina no horizonte.

Ainda de cócoras, usa o minúsculo pedaço de sabão que tão bem lhe serviu em seu banho para, freneticamente, lavar o vestido de chita barata, que minutos antes a cobria e diminuía a dor de vê-la tão exposta. O que choca não é sua esquelética e assustadora magreza, mas imaginar o que não foi feito por ela, para deixá-la, assim. Finda a tarefa, se vestiu e juntou suas coisas, mecanicamente.

Parei ao seu lado e fiz três perguntas. As respostas vieram quase monossilábicas.

Quem é a senhora, quantos anos tem e de onde veio: “Maria…mas me conheço ‘de’ Nêga”. Acha que tem (quase ou pouco mais de) 60 anos. Não lava sua roupa ou se banha no mar “por que lá, nunca vou”. Veio do interior. Deixou filhos e família pelo mundo. “Por desgosto”. Quando perguntei “onde estão?”. Respondeu com um olhar carregado de tristeza e distante. Sua fragilidade é de doer. Me disse algo que não entendi, virou de costas e se pôs a andar.

“Não se anda por onde gosta, mas por aqui não tem jeito, todo mundo se encosta. Ela some é lá no ralo…”.

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5 Resultados

  1. anonimo disse:

    ai: gente precisamos de pessoas como geize. quer trabalhar pela sociaedade fazendo com quer as pessoas tenha atendimento na areia da saude digno. mas justo… vlw

  2. wolf moitinho disse:

    Antes de tudo devo dizer que seria mais um dos milhares de invisíveis existentes neste país não fossem os olhos atentos e o sentimento de respeito e carinho do autor do texto Walter Arduini.
    Quando vi a fotografia de uma mulher agachada, nua, magra, junto a uma poça d’água, pensei em um registro ocorrido em nossa cidade. Já vi doentes mentais semi despidos e crianças desamparadas circulando em Valença e notícias de jovens adolescentes freqüentando o mundo do crime. Sim, estes são cidadãos invisíveis porque ninguém os enxergam, nem mesmo os poderes públicos.
    Somos abençoados porque Deus nos deu uma natureza das mais belas do Brasil, mas somos pobres porque não sabemos aproveitar esta dádiva.
    Penso em um governo municipal de uma Valença próspera que possa socorrer aqueles que necessitam. Mas, é necessário que o governo passe a dar uma melhor assistência aos cidadãos e é nesse sentido que temos de buscar neste elenco de candidatos os nomes (um prefeito e quinze vereadores) que possam representar os anseios da maior parte da sociedade e que façam a diferença governando para os mais humildes.
    É preciso que assumam o compromisso de reverter o quadro caótico em que se encontra grande parte da população de Valença para que todos possam viver com dignidade.

  3. Mary disse:

    ” Não importa quem você é, a imagem e os atos que se seguem (junto as palavras do autor Walter)são devastadores e te jogam na lona.”

  4. Mary disse:

    Interessante, ou melhor, TRISTE: em algumas postagens do blog ( inclusive banalidades triviais – se me permite assim dizer, Pelé) dezenas de pessoas fazem todo tipo de comentário: coesos, rídículos, banais, importantes, inteligentes, sem coerência e até desnecessários. Porém, em um texto tão tocante e verídico, as pessoas fazem “vistas grossa” e nem ao menos compartilha e/ou se posiciona.
    Acredito que é por isso q o nosso país/estado/cidade está do jeito q está – EM DECADÊNCIA.

    VC CONCORDA, PELÉ???

    “O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons.” Martin Luther King

  5. pelegrini disse:

    Mary, com certeza, concordo com você plenamente!

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