61 ANOS DA MORTE DE GETÚLIO

Don Mumú de Las Vegas*

Da trajetória de caudilho ao suicídio há uma história fascinante, rica em detalhes e ainda pouco explorada. Há 61 anos Getúlio Vargas deixava a vida para entrar na História, nenhum outro personagem despertou um envolvimento tão visceral na vida política brasileira, os sentimentos de amor e ódio se confrontavam e se confrontam até hoje, defendendo ou acusando uma personalidade marcada pelo antagonismo.

Nascido em São Borja-RS, descendente de uma família tradicional dentro dos moldes coronelistas, a carreira política do jovem Getúlio iniciou-se dentro do conceito positivista da escola de Auguste Comte sob a liderança de Borges de Medeiros, herdeiro mais fiel de Júlio de Castilhos, líder dos “pica-paus” na Revolução Federalista do fim do século passado. Do advogado astuto e competente surgiu o político brilhante, capaz de reunir em torno de si personalidades com visões completamente distintas, inclusive até inimigos ferrenhos herdeiros das disputas que ocorreram no sul do País.

Após a derrota da Aliança Liberal nas eleições de 1929/30 devido a um processo eleitoral eivado de corrupção e fraude, a sua habilidade na costura política o leva a liderança da Revolução de 1930 que encerrou definitivamente a Velha República, aliança composta entre os cafeicultores paulistas e criadores de gado mineiro que se revezavam no poder a 30 anos. Getúlio buscava conduzir o Brasil do fim da República do café com leite para uma nova República que visava a modernização da máquina pública, implantação da burocracia e formação de um Estado Nacional menos sujeito as divergências e interesses regionais. Com a Revolução inicia-se o primeiro período de Getúlio como chefe do Governo brasileiro, caracterizado por três fases distintas e ininterruptas; o Presidente provisório de 1930 a 1934, o governante eleito pela Assembleia Nacional Constituinte de 1934 a 1937 e o Ditador de 1937 a 1945. No segundo período, que vai de 1951 até o seu suicídio em 24 de Agosto de 1954, com o rótulo de “pai dos pobres”, Getúlio voltou ao poder eleito e consagrado pelo povo brasileiro e odiado pelas elites.

A passagem de Vargas pela vida política brasileira é recheada de contradições como nunca visto na política brasileira. Ao tempo que inaugurou o chamado “trabalhismo”, ampliando o mercado de trabalho, incentivando a criação de sindicatos e criando um aparato legal de proteção trabalhista e previdenciária com viés humanista, também sob a sua iniciativa e conivência, o Estado Brasileiro perseguiu, torturou e matou. Em sua versão ditadora, durante o Estado Novo censurou a imprensa, incendiou jornais, perseguiu intelectuais e praticamente dizimou seus adversários com dureza e violência. Enfrentou com firmeza a tentativa da Revolução Constitucionalista de 1932 em São Paulo e o levante Comunista de 1935. Mesmo com toda a simpatia que nutria pelo fascismo, em 1942, optou pelos Aliados na segunda guerra. Certa feita, diz a lenda, que ele disse a um de seus filhos que quem vence não é aquele que consegue derrotar o seu adversário e sim aquele que melhor se adapta ao meio, ou seja, Darwin tinha razão. Naquele momento ele acreditava ser mais vantajoso para o Brasil uma aliança estratégica com os EUA em troca de proteção militar e mais algumas barganhas, decisão essa que no futuro geraria outra grande contradição na defesa do petróleo brasileiro contra a tentativa de expropriação estadunidense que se arrasta até os dias atuais.

Getúlio era um Estadista nato, acreditava fielmente que o Estado deveria ser um agente interventor e propulsor da economia, tinha consciência de que o mercado brasileiro, ainda atrasado e agrário, jamais teria condições de fazer os investimentos necessários para o desenvolvimento do País. Criou a Petrobrás, Vale do Rio Doce, Companhia Siderúrgica Nacional, construiu Portos, Estradas e Aeroportos, fomentou a industrialização e modernizou a economia. O Presidente Roosevelt em discurso oficial identificou Vargas como um dos principais inspiradores do “New Deal”, plano de intervenção econômica criado pelo próprio Roosevelt para recuperar a economia estadunidense após a crise de 1929. A economia mais liberal do mundo se rendia a um nacionalista brasileiro, fato que invejaria até John Keynes e deve estar recheado de certo exagero.

Foi essa mesma visão Estadista que levou Vargas à morte. No seu segundo período sofreu enorme pressão para que o governo abrisse mão de colocar as riquezas e potencialidades nacionais em favor do seu povo para poder privilegiar grandes grupos e interesses nacionais e estrangeiros. O seu suicídio mais que um ato de loucura teatral foi acima de tudo um ato político que apenas retardou um Golpe que já vinha sendo tramado e se consumou dez anos depois com a deposição de Jango. A elite liberal e o canil militar de 1964 eram compostos pelos mesmos personagens que sufocaram e pressionaram Vargas em 1954. Em que pese as suas contradições é preciso se reconhecer que naquela época ninguém defendeu e se sacrificou mais pelos interesses da Nação e do seu povo!

A História quase sempre tem um componente cíclico, vai e volta os mesmos interesses de apropriação da riqueza coletiva do Brasil se renovam e reaparecem mais estruturados e poderosos. Quase sempre propõe a negação e se apresentam como algo diferente do sistema vigente. Cada vez que esses interesses conseguem se tornar uma força política influente e chegar ao poder o País da um passo para trás na busca do desenvolvimento e da equidade social. A sociedade organizada deve estar em constante busca da criação e fortalecimento de mecanismos que defendam o Estado desses interesses, independente de quem ocupe o Poder.

Para quem gosta de política e aprecia uma boa leitura recomendo a trilogia sobre Getúlio do escritor Lira Neto, considerada até o momento a obra mais completa sobre a sua vida, mas como dito pelo próprio autor, uma biografia jamais pode ser completa. “Outras fontes, documentos e pesquisas podem trazer novas informações e novidades tornando o tema sempre aberto”. Não é compreensível que John Lennon, apesar da sua importância na cultura pop mundial possua mais de 20 mil obras sobre a sua vida e Getúlio só agora tenha a sua primeira, pelo menos com esse nível de pesquisa e riqueza de detalhes. Getúlio sem dúvida é um personagem de primeira grandeza na vida dos brasileiros.

*Don Mumú de Las Vegas é colunista do Blog do Pelegrini, formado em pedreiro, apreciador de bons vinhos e adora uma picanha argentina, quer mudar a Lei Maria da Penha para que também sirva aos homens, pois disse que não aguenta apanhar da esposa. 

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