Eleição em Tempos de Brucutus (ou, é possível o bom debate na internet?)
Por J.B. de Oliveira Cristo (XPTO)*
Há algum tempo tenho acompanhado os debates e comentários aqui no Blog de Pelegrini. E sempre que acho algo instigante eu gosto de comentar. Pois é observando a forma em que esse bate-papo se apresenta aqui (de forma nem sempre amistosa) é que me levou às reflexões abaixo. Saliento logo de início que NÃO FAÇO o JULGAMENTO IDEOLÓGICO da fala de fulano, beltrano ou sicrano. APENAS ANALISO serenamente um FENÔMENO GERAL que tenho observado aqui, e que repete em outros blogues.
Quem viveu (nem que seja uma nesguinha cronológica) como eu vivi os estertores de um regime ditatorial, sabe o quanto é valioso a liberdade de pensamento e de expressão. Não existe nada mais deprimente quando a censura coage ao silêncio e impede que diferentes pontos de vistas coexistam. Pior, a unicidade das ideias conduz a um pensamento monolítico que avassaladoramente reduz o discurso a uma coleção de clichês, cujo único objetivo é a própria alienação do ser humano como tal. Quem leu a belíssima fábula de George Orwell, A Revolução dos Bichos, deve se lembrar do rebanho de ovelhas balindo monocórdica e monotonamente slogans vazios e o quanto isso dizia do clima que seguiu na Granja dos Bichos. Liberdade de pensamento e expressão é o antídoto para a homogeneização que redundando em rebanhos.
Talvez, por isso, eu relembre minha juventude e meus anos de estudante de História em Santo Antônio de Jesus (nos início dos anos 90 do século passado) como um período rico de debates. Melhor, de BONS DEBATES. Digo bons porque tive a sorte de encontrar colegas que procuravam dar cor e densidade nos momentos de posa, esgrimindo argumentos através de silogismos construídos na sutileza das ideias, na solidez dos fatos e no embasamento tecidos em leituras amplas e múltiplas. Tive com meus colegas muitas discursões antológicas. Eram acaloradas e apaixonantes, não tínhamos dúvidas, mas sempre como princípio o respeito à pessoa – restringindo o embate ao campo das ideias. Ok! Não irei me trair pela memória e traçar um passado idealizado: Algumas vezes o debate se prolongava a ponto de se azedar algumas relações interpessoais – além de conviver com quem se infiltrava nas discussões apenas para fazer intriga e fofoca, reduzindo muitas conversas a mera picuinha chata e tacanha. Todavia, aos poucos fomos amadurecemos e o próprio ambiente da boa universidade pública nos cinzelava para sermos serenos (ainda que incisivos) nas nossas argumentações.
Tudo isso acontecia numa época que não existia internet comercial e redes sociais. As pessoas formavam suas opiniões lendo livros e periódicos, ouvindo LP de vinil e fitas K7 e assistindo fita de videocassete. Faço esse adendo apenas como uma constatação, sem sombras de rabugice que meus quase 50 anos poderiam transparecer. A coisa mais instantânea era a TV e a Rádio, mas que se perdia na fugacidade – o que nos leva a outro aspecto, de desenvolver uma boa memória, acaso não quisesse fazer feio nas conversas. Ou seja, (falo isso sem nenhum orgulho ou falsa modéstia), considerando o acesso à informação e a postura que diante das discursões, fui educado a apreciar e participar de um tipo de debate mais racional e menos personalista. O que importava era fazer um xadrez dialético que resultassem em sínteses que nos ajudasse a crescermos ética, intelectual e humanisticamente.
Penso nisso quando contrasto minha experiência com a atualidade e constato uma triste contradição: Apesar da atual idade mídia tornar a informação mais fluida e acessível ao cidadão comum (o que faria acreditar em uma utópica Ágora Mundial para o bom debate público), infelizmente, os comentários que costumam aparecer nos blogues e sítios de notícias indicam que o excesso de informação fez florescer deprimentemente o lado mais bárbaro, boécio e neandertaloide de alguns seres humanos. Ressalvo que isso não se aplica a todos: ainda é possível ler comentários inteligentes na internet – como eu pude ver várias vezes algumas falas ponderadas de alguns frequentadores desse blogue (mesmo que discordasse respeitosamente dos que foi apresentado). No entanto, há uma raça de troll que se porta como pombos jogando xadrez: aproveita-se da possibilidade do anonimato para arrotar arrogantemente ignorâncias e desinformação, através de comentários rasos que, não raro, descambam em agressões pessoais mal disfarçadas em deboche de gosto duvidoso. Esse período da campanha eleitoral mostra isso claramente, quando a politicagem e o analfabetismo político viriam os holofotes para os “brucutus digitais”.
A horda de brucutus digitais se apresenta de forma facilmente reconhecível: Não expõem ideias, mas atacam pessoas. Não apresentam argumentos complexos, mas reproduzem clichês; Não fundamentam com leituras dialéticas da realidade, mas em lugares comuns e boatos colhidos alhures; Não sutilizam a fala para produzir ironias, mas caem na galhofa de quinta categoria; Não exercita o respeito e a civilidade, mas militam a má-educação e a grosseria ostensiva; Não se abrem para a generosidade do diálogo, mas se trancam em monólogos tautológicos frutos do fundamentalismo míope. Muitas vezes, até pobreza lexical se faz notar nos brucutus, com textos que se traduzem verdadeiramente em balidos, zurros e coaxar. Não é a toa que devemos a eles ao surgimento da moderação nas páginas de comentários, para que um filtro mínimo retenha as baixaria e não inviabilize completamente a internet como espaço comunicacional. E mais assim, por mais que se evite, as circunstâncias (um dia que a pessoa não acordou bem ou a forma como um comentário é respondido) faz com que o incauto caia em tentação de responder ao brucutu com a mesma selvageria. [ok, faço aqui em “mea culpa”: houve comentários aqui referentes a mim que me fizeram ferver meu sangue… E ainda assim, tive que respirar muito fundo, entre ignorar a ignorância alheia ou responder a má-fé com o devido cinismo para não se rebaixar].
Seria por isso que muitas pessoas boas deixam de apresentar suas opiniões na internet? Em parte sim e é algo a se lamentar, embora seja compreensivo que não é todo mundo que deseja se expor ante a estupidez dos outros. E a semente desse comportamento vem de onde? Certamente a falta de formação humanística e democrática de alguns afasta quem poderia realmente contribuir com ideias. E quando digo formação, não me refiro à mera instrução escolar decorada de sala de aula ou ao acúmulo de informação ou desinformação. Refiro-me mesmo ao lapidar da pessoa para que se torne um cidadão pensante, reflexivo e crítico. Refiro-me a falta do exercício da diversidade e pluralidade – prática que deveria ser automática nas pessoas.
Enfim, diante desse arrazoado, alguém pode está pensando que eu seria a favor da censura aos brucutus. Pois EU respondo com o caminho inverso: sejamos voltairianos e deixem hienas e chacais falarem, zurrarem, balirem, coaxarem na internet! Só não deixemos que eles monopolizem o debate com suas galimatias. Por mais inglória que a tarefa possa parecer, o ideal não é que o bom debate morra pela idiotice alheia, mas que ocorra o contrário: a idiotice alheia fique intimidada em atrapalhar o bom debate nas redes sociais. E isso é indispensável para que tenhamos uma civilização, uma vez que não acredito na solução seja regredir a Barbárie (apesar da militância ferrenha dos Brucutus que isso aconteça).
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P.S. Sempre gostei de usar o meu velho apelido de faculdade aqui (que nada mais é que um anagrama em grego de meu verdadeiro sobrenome, Cristo) porque queria evitar maiores dores de cabeça ao ver nos dia a dia muitos dos brucutus que aqui desfilam. Mas, dessa vez, coloco minha cara a tapa para o BOM debate – que estará aberto até aos brucutus, conquanto deixem os tacapes no lado de fora da caverna…
*51 anos; Mestrando em História e Cultura
Boa análise do mundo nas redes sociais.
Obrigado, caro João Marcos. É apenas uma contribuição para pensarmos o bom debate e refletirmos sobre algumas práticas aqui na blogosfera.