Pedra da ruína: Degradação causada pelo crack é similar a da heroína
Felipe Amorim | Redação CORREIO
Pedro* avisou à família que usava drogas em sua primeira overdose, aos 20 anos. Álcool, maconha, cocaína, até encontrar a devastação em um cachimbo de crack, aos 35. “Fumou” dois aparelhos de som, uma impressora, o botijão de gás e os sapatos de grife da mãe. Só não vendeu a geladeira porque foi abordado a tempo.
“Eu sou impotente perante meu filho. É entregar a Deus e viver um dia de cada vez”, lamenta Rosa*, mãe de Pedro e personagem de uma história cada vez mais comum. No Brasil, 381 mil pessoas já usaram crack,o que equivale a 1,5% da população nas 108 cidades brasileiras pesquisadas pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) da Universi da de Federal de São Paulo (Unifesp).
Alta dependência
“Alguns usuários têm experiências, conseguem modular o consumo e abandonam o crack espontaneamente. Mas, diferente de outras drogas, o crack é capaz de desenvolver estados de dependência com muito maior frequência e com potencial maior. Ou seja, não precisa fumar muita pedra para desenvolver um quadro grave de dependência”, alerta o psiquiatra George Gusmão, do Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas (Cetad).
Segundo Gusmão, não existe um limite determinado para que o usuário se vicie. Mas, em geral, depois da terceira experiência, há quem desenvolva um grave dependência, num padrão de deterioração rápida que lembra os viciados em heroína.
Segundo o psiquiatra, existe muita dificuldade em tratar o dependente do crack. “Não há medicação específica para reduzir a dependência”, avisa Gusmão. Ele defende que o viciado em crack deve ser submetido a um tratamento intensivo, mas com internação de curta duração, entre 15 a 20 dias, para então seguir em regime ambulatorial, com acompanhamento psiquiátrico e oficinas terapêuticas. *Os nomes das pessoas foram trocados para preservar suas identidades.
Droga ameaça pontos turísticos
Duas séries de matérias publicadas pelo CORREIO na última semana e em julho mostraram como o crack saiu dos guetos da periferia para tomar conta de áreas em bairros turísticos, como a Barra e o Pelourinho. O Farol da Barra, a Praia do Porto e até o Cristo passaram a ser frequentados por usuários de crack, problema reconhecido pela polícia e flagrado pelas lentes do CORREIO.
“O consumo vem aumentando a ocorrência de pequenos furtos a banhistas e turistas no Porto e em outros pontos, como o Cristo, principalmente depois das 19h, quando é encerrado o policiamento no local”, admitiu o comandante da 11ª Companhia Independente da PM, tenente- coronel Marconi Calmon do Nascimento.
Após a série de matérias, a Delegacia de Tóxicos e Entorpecentes (DTE) decidiu investigar as denúncias de que o crack tomou conta das ruas da Barra e dos pontos turísticos do bairro. O objetivo da delegacia especializada será mapear o tráfico e entender como é feita a distribuição da droga. Já a PM se responsabilizou pela repressão aos usuários.
No fim de julho, uma série de reportagens sobre os problemas do Pelourinho denunciou a presença constante de pedintes e usuários de crack, além de mostrar as oito ruas do bairro dominadas pelo tráfico. Em outubro, a prefeitura inaugurou um Centro de Referência Especializada de Assistência Social (Creas) na Praça José Alencar, no Largo do Pelourinho, para atender a população de rua.
‘As pessoas procuram ajuda pelador’
Num país onde 19,4% da população já fez uso de drogas ilícitas e 20% consideram muito fácil o acesso a essas substâncias, segundo a USP, saber quando buscar ajuda ainda é um problema. “A Organização Mundial de Saúde define a dependência química como uma doença crônica, pois é preciso certo tempo de contato com o agente causador”, explica a assistente social Moema Britto, diretora da Clínica Vila Serena, especializada em dependência química. Ela alerta que o álcool é a porta de entrada para as drogas. “Nunca atendi paciente que a primeira droga tenha sido o crack”.
Qual o momento de procurar um tratamento?
Quando percebo que estou sofrendo mais do que tendo prazer e quando entro num processo da compulsão. A compulsão é quando você fala que vai tomar uma saideira e toma 20, quando compra um papelote de cocaína para o fim de semana e usa tudo num dia só. O que caracteriza a dependência química é a perda de controle.
Como a família e os amigos podem ajudar o dependente?
Primeiro, é não negar o problema, nem tentar esconder a situação. Às vezes, a família acha que está ajudando e não está. Tem que deixar a pessoa vivenciar as consequências negativas. Não adianta cobrir cheque sem fundo, nem ligar para o trabalho para inventar uma desculpa pela falta.
Como convencer o dependente a buscar ajuda?
A primeira coisa é conversar. Só que a família precisa entender que a dependência química é a doença da negação. O dependente não aceita que tem uma relação de perda de controle com aquele objeto que ele escolheu para ter prazer. Essa escolha leva ao fracasso e admitir que é um fracassado é difícil em qualquer circunstância. Então, não se deve ir pelo emocional, mas mostrar os fatos: tal dia você usou e fez isso, no outro dia aconteceu aquilo.
E se houver a resistência do usuário?
O que leva o dependente químico à recuperação não é o amor. Porque, se fosse assim, ele iria quando a mãe ou a esposa pedisse. As pessoas vão procurar ajuda pela dor. É difícil a família aceitar isso, mas tem que deixar a pessoa vivenciar as consequências negativas.
Como perceber que o tratamento está tendo efeito?
O primeiro passo é ter a aceitação da doença. Esse é inclusive um dos 12 passos dos Narcóticos e dos Alcoólicos Anônimos. Nós sempre recomendamos a frequência nesses grupos durante e após o tratamento. Depois, a pessoa percebe que está em recuperação quando passa a se responsabilizar em reformular seu estilo de vida.
FONTE: CORREIO
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