(Des) Amparo 2013: O Milagre da Divisão da Cidade

*Ricardo Vidal

A festa em louvor a Nossa Senhora do Amparo, realizada em 2013 na cidade de Valença, entrou para história. Não pela sua tradicional alegria e clima de união que sempre a caracterizou. Entrou pelo motivo inverso – como a festa da discórdia e da desunião, gerada pela intransigência do pároco e da omissão da prefeitura. E o celeuma causado por essa polêmica pode causar a decadência de um dos maiores marcos identitários e culturais de Valença.

Quiseram forjar a celeuma em cima da (falta de) segurança causada pelas vendas de bebidas em barracas e da desorganização dos vendedores ambulantes para se justificar uma atitude equivocada. Ora, ninguém é imbecil de ser contra a segurança e organização dos ambulantes para que a Festa do Amparo brilhe. Quem ama essa cidade e luta para sua grandeza quer isso. O cerne da questão, no entanto, é outro – cousa que o Sr. Padre Josival Lemos pareceu se recusar a compreender e a prefeita não teve a devida sensibilidade para contemporizar.

Querendo ou não algumas correntes (retrógradas) da Sancta Madre Igreja Católica Apostólica, a festa do Amparo seguiu os rumos normais as grandes festas populares: deixou de ser uma mera missa solene para se tornar num patrimônio cultural e marco identitário para Valença. Surgida a mais de cem anos, animada e alimentada pelo povo valenciano (operários, marítimos e magarefes) e com tradições sedimentadas por décadas e décadas de história, a festa do Amparo ganhou uma grandeza que transcende a sua condição de mero “evento religioso” (como pretende os pretensos “verdadeiros” católicos). A festa é um momento ímpar de confraternização e orgulho para o cidadão valenciano. Para os valencianos que emigraram, esse pode ser o momento de visitar a cidade (e rever os amigos e parentes que cá ficaram). Quem não pode vim, alegra-se em ver as fotos pelas redes sociais. Para os católicos mais desgarrados, é o momento de ir para igreja. E por que não dizer, também é a melhor ocasião para que as pessoas mais humildes possam ganhar seu sustento, com o comércio que NATURALMENTE aflora em torno dos eventos religiosos. Êxtase religioso e alegria sincera caracterizam a festa, que é rica com suas tradições – como as barraquinhas com petiscos (maçã-do-amor, batata-frita, cachorro-quente, etc.) e com lembrancinhas. E isso não nenhuma “degeneração”! Pelo contrário, coisas similares aconteceram em Bom Jesus da Lapa, com a Festa do Bonfim em Salvador e com o “Ano Santo Xacobeo” em louvor ao apóstolo Santiago Maior na cidade galega de Compostella. E lá as pessoas souberam aproveitar essa co-existência de sagrado e profano não só para cimentar a identidade cultural da cidade como para auferir lucros com o turismo. (para mais informações, ver o texto no seguinte link: https://pelegrini.org/politica/24819)

Claro, para um evento dessa magnitude, é natural, imperioso até que se procure disciplinar e garantir sua segurança. È forçoso repetir que ninguém é favor da desordem dentro da festa, pelo contrário! Isso é um anseio de toda comunidade valenciana – até dos não católicos que respeitam e/ou também frequentam da festa. O motivo de tantas críticas está NA FORMA como isso foi gerido nesse de 2013. Infelizmente, em lugar de se tentar uma solução consensual e pactuada, o que ocorreu foi este festival de intransigência e soberba. A postura que o padre-secretário (através da comissão organizadora) teve foi muita diferente do que se espera de verdadeiro sacerdote de Jesus Cristo. Em lugar de respeitar as tradições centenárias da cultura popular e atuar como elemento de concórdia e harmonia, ele simplesmente quis sequestrar a festa e tratá-la como se fosse uma invenção pessoal dele.

Os dois argumentos centrais que justificavam a proposta “oficial” da igreja eram como se TODAS AS BARRACAS que se estabelecidas durante a festa SÓ VENDESSEM BEBIDAS ALCOÓLICAS, o que provocavam o clima de insegurança e que elas atrapalhavam o tráfego. Sobre o segundo argumento, bastava que a igreja e a prefeitura organizassem áreas pré-determinadas e fiscalizassem. Quanto ao primeiro, há de considerar é uma meia verdade. A maioria das barracas que s estabelecem lá costuma vender petiscos e lanches. E para o caso das que vendessem bebidas, que se pactuasse a venda – ou limitando à bebidas em latas e criando um cinturão de lei seca. Em todo caso, se preservasse a tradição, afinal é a maçã-do-amor e não a bebida que caracteriza a festa do Amparo. Que se permitisse que as pessoas pudessem ganhar seu dinheiro honestamente, vendendo as bolas de plásticos para as crianças e lanches para os demais frequentadores. Que a festa continue a ter suas luzes e aromas para alegrar aquele que se sobe a colina para louvar Nossa Senhora. Isso que todos querem!

Só que não foi a postura do padre. Como se só tivesse lido o evangelho de Maquiavel e o breviário do Cardeal Mazarino no seminário, aproveitou-se da condição mundana de secretário para querer impor seus caprichos. E como discípulo de Goebbels, usou do altar para semear o pecado capital da ira contra seus críticos, acusando-o com a falácia de que só querem a bebida. Pobre padre… Tivesse aprendido melhor as lições de Lucas 18,9-14 e de João 4, 1-15; e lido com calma as críticas, veria que a maioria de seus críticos é de pessoas honradas, esclarecidas e devotas que não estavam satisfeitas com a radicalidade das medidas impostas. O que muitos queriam é uma festa viva, com a alegria de louvar Nossa Senhora e depois comer sossegadamente sua maçã do amor, como sempre se fez! O que muitos advogados, professores, engenheiros, intelectuais (que criticaram as decisões do Sr. Josival Lemos) desejavam é uma festa popular, não uma missa segregacionista para poucos fundamentalistas! Lamenta-se que num altar de onde os padres Lino Trezzi e Edegar Silva proferiram tantas perolas de sabedorias em suas homilias degenerou-se no palco de pregação de um Jihad inclemente contra as pessoas… que apenas queriam o bem da festa, mas discordaram do que se considerou um equívoco do padre! Se não houve humildade e bom senso por parte do Altar, que a Prefeitura, no momento que foi acionada, tivesse o equilíbrio laico de preservar as nossas tradições. Infelizmente, na minha humilde opinião, pouco contemporizou para chancelar (na prática) os descalabros do padre. Antes, quase lembrou a postura de um certo procurador romano na Judéia, quando teve que escolher entre libertar um inocente e Barrabás…

O resultado foi uma festa fraca, triste e uma cidade dividida. Muitas pessoas que costumavam ir às novenas e na festa se sentiram desmotivadas a comparecer (eu mesmo não me senti desanimado a participar da festa e minha tristeza maior foi minha mãe depois que o melhor era eu não ter ido para lá, pois teria passado raiva). E pelos comentários nas redes sociais, a festa estava longe de ter o brilho dos outros anos. Já não era mais a festa que reunia a cidade. Já não era mais a festa onde se pregava a harmonia e união pela fé. Já não era mais a festa de todo o povo valenciano. Já não havia mais o clima de acolhimento para qualquer pessoa que quisesse comungar. Era uma missa elitizada para os auto-proclamados “verdadeiros católicos”, muito diferente que se via nos outros anos. Talvez, por ter se tornado uma festa vazia, houve a alegada “tranqüilidade” – afinal, não havia realmente um povo lá, apenas a “turma” que concordava com o pároco. E pela primeira vez, a festa do Amparo se tornou motivo de discórdia e divisão na cidade. E mais, não estranharei que se continuar assim, a igreja venha perder fiéis, insatisfeitos com atitudes extremadas e fundamentalistas de um sacerdote(?) que deveria pregar a harmonia e a união. E pergunto: é isso que quer Santa Madre Igreja Católica quer?

Pois bem, a festa do Amparo de 2013 acabou (não obstante a polêmica continue, com mais pessoas criticando a festa do que elogiando). Rogo que Nossa Senhora do Amparo ilumine a próxima comissão organizadora e que o padre tenha a humildade de refletir sobre as críticas feitas (embora eu não acredite muito quanto a esse último ponto…) para que na próxima festa se chegue a um consenso em que se garanta não só a tradição e a beleza da festa como a segurança e a organização da festa. Espero que a prefeita ouça mais o povo e menos o seu secretário de educação (que deveria ler o Sermão da Sexagésima), para que se garanta uma festa popular e que continue sendo um motivo de orgulho e união da cidade. Caso contrário, persistindo a intransigência e o capricho de um padre (que segundo as hodiernas práticas, não costumam se eternizar em uma paróquia), corremos o sério risco de que a festa do Amparo  perca seu caráter de festa que una os corações valencianos para ser uma lembrança do passado, uma missa morta e invisível.

*Escritor e Professor valenciano de nascimento e que ama apaixonadamente essa terra,

Especialista em Estudos Lingüísticos e Literários pela UFBA.

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13 Resultados

  1. Jaime Santos disse:

    E se o problema fosse a Segurança no Amparo pq a prefeitura autorizou 2 trios eletricos no dia da cidade. Rodando pela cidade?Que é muito mais perigoso e dificil de controlar do que algumas barracas de bebidas no Amparo. Conta outra!

  2. Marco Antonio disse:

    Profº. Você precisa se tratar. Tens sérios problemas psicológicos. É muito sentimento aprisionado, em conflito e frustrado. Lamentável.

  3. Ricardo Vidal disse:

    Boa lembrança, Jaime Santos. Aliás, nunca vi uma procissão de N. Sra do Amparo com trio elétrico. Nos saudosos tempos de Padre Lino Trezzi, o padre ia humildemente no meio do povo, andando na rua, com o auxílio do carro de som. Lamento esse processo de descaracterização da festa…

    Caro Marco Antonio, obrigadonpor mostrar cabalmente um dos aspecto de minha tese que eu desemvolvir no artigo acima: o lado que defende os equívocos do padre sequer param para ouvir as críticas. Para tanto, deixam o debate de ideías para se concentrar no ataque pessoal, desqualifocando-as. Pois bem, quero apenas que me apresentem argumentos convicentes. No plano das ideías, o que você a me dizer? Quanto à sua opinião sobre a minha vida pessoal, ela não foi pedida…

    Então, quem debater realmente debater ideias? Fofocas e ofensas deixemos para os fracos… hehehehe

  4. PROCURA-SE! disse:

    Mais itens para a comunidade apurar da Igreja do Amparo. Além dos lustres, imagens e azulejos portugueses vamos acrescentar uma caixa de som grande, uma mesa de som e dois bebedouros que foram doados e que não estão mais em exposição dos fiéis. Estamos cansados de solicitar esclarecimentos e pedimos que o dinheiro da festa ao invés de descer para matriz fique para a conservação e preservação da Igreja do Amparo. Na festa da matriz o dinheiro sobe para o Amparo? Pq na festa do Amparo o dinheiro desce para matriz?

  5. Lua disse:

    É impressionante como esse professor publica uma nota dessa, realmente vc é um %$#@$#@$ pois deve gostar também de tomar cachaça assim como a minoria que não gostou dessas mudanças, meu Deus depois de anos podemos ver uma festa do amparo sem ocorrências policiais, sem vagabundagem, sem barulho desordenado sem gente do caráter desse, apenas participaram aqueles que gostam da ordem, de louvar a Nossa Senhora do Amparo, das pessoas de bem, da família valenciana, dos idosos que a anos clamavam por isso, em fim essa festa foi para todos, mais professor, que não tem esses princípios realmente tem que se afastar mesmo. Parabéns a Igreja Católica, parabéns a administração que teve a coragem de mudar radicalmente para melhor, pois a cacetada foi segura para esses fanáticos que confundem cultura com bagunça.

  6. Lua disse:

    RSRS esqueci de dizer que o cara ainda fala de saudosos padres que já passaram por aqui, rapaz na cabeça dele nessa época Valença já tinha essa população de hoje, já tinha esse crescimento da criminalidade, a droga já era alastrada. Ora professor que faculdade foi essa? não só Valença como todo o pais cresceu e festas desse porte devem sim ser repensadas e ordenadas para proteger as pessoas, mudanças não significam ferir a cultura seja lá de quantos anos são, pois a vida humana é mais preciosa, a ordem pública deve sim prevalecer, pois vá acostumando vc e os que não gostaram, de agora em diante a população tenho certeza vai sempre pedir por isso todos os anos sabe porque? por que a maioria aprovou e gostou e vc é só a minoria frustrada.

  7. Ricardo Vidal disse:

    Cara Lua, obrigado por provar a minha tese, de que festa do Amparo está perdendo o brilho. O problema é simplificar a questão e scusar os críticos de cachaceiros. Para seii total engano, eu nunca fui para a Festa doAmparo para beber. Se fosse por isso, há lugares melhores para fazê-lo do que do lado de uma Igreja. Agora, esse argumento falso moralista não me convenceu. Pior, é quando vejo apenas ataques pessoais quando quero debater ideias. Lamento que os auto-denomidados “guardiães da mpral e dos boms costumes” apelem para a agressão pessoal. Será falta de ideias? Ou será que é mais fácil apelar para a baixaria do que pensar? Só faço lamentar pelo minha cidade…

  8. ... disse:

    Esses fanáticos católicos são a herança da sua história. Em nada diferem dos inquisidores de outrora, a diferença é a lei que os limita e a separação do Estado e da Igreja, se não estavam matando e torturando em nome de uma pureza que eles não possuem! Bom texto Ricardo Vidal.

  9. Lua disse:

    RS Debater ideias? suas ideias já falei faz parte da minoria, neste próprio blog vc mesmo pode ver a enquete do que pensa a população, as regras meu caro são outras, em qualquer problema que se tem debate só se chega a uma conclusão com o pensamento da maioria e é isso que aconteceu, vc pode sim expor o que vc pensa mais não de uma forma querendo ser o moralista, se vc realmente apoia tudo que vinha acontecendo nas festas anteriores faz o seguinte implore ao padre a a administração para o ano que vem voltar a ser como antes, mais antes disso compre uma casa no amparo e vá morar lá, assim vc vai desfrutar de toda sua tese que vc diz que tá comprovada. Parabéns a comunidade católica e a todos os aqueles que foram as novenas e ao dia da festa e sim ver o que é Festa do Amparo separada de festa profana.

  10. FrAnCiScO disse:

    É preciso apenas e simplesmente que ambas as partes conscientizem-se que o motivo que os une é infinitamente maior que os motivos que ora o separam. A fé e a festa de Nossa Senhora do Amparo é imensamente maior e mais importante que esta discussao proselitista boba e vazia que ora se instala no blog e que mascara posicionamentos políticos de alguns… tanto de um lado como doutro.
    Arrumem um motivo mais justo para discutir o “sexo dos anjos” e respeitem Nossa Senhora e a nossa FE.

  11. CAS disse:

    Professor Ricardo. Pelo nível dos comentários… complicado esse povo de valença hien? Quanto a festa do Amparo? Padres? Valença? Esqueça! Nunca mais será como nos tempos de outrora. Muito me admira uma pessoa do seu nível batendo boca com qualquer um. Não vale a pena. Pense nisto. Abraços

  12. CAS disse:

    Me desculpo com Pelegrini e tantas outras pessoas que fazem Valença ainda valer a pena. Mas é tão chato pra quem está de fora ver essa falta de educação e agressão gratuita. Não sei até que ponto vale a pena escrever, opinar sobre alguma coisa…Muito chato mesmo.

  13. observando tudo disse:

    “O meu povo perece por falta de conhecimento.” Oseias 4:6. Quanta baboseira de pessoas intelectuais, com conhecimento mas vazios…

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