A ÚLTIMA CAÇADA

image Nascido e criado em Jussiape, município de 7,5 mil habitantes situado na Chapada Diamantina (BA), o caçador Claudionor Galvão de Oliveira, de 43 anos, nunca desejou entrar para história, até sentir medo de perder seu ganha-pão – um quiosque em praça pública da cidade – e não suportar ouvir piadas de opositores políticos que realizavam uma espécie de bullying contra ele.

O inferno astral de Coló, como era conhecido Claudionor, começou em junho de 2010, quando o então prefeito, Vagner Neves (PTB), que apoiava, foi cassado pela Câmara de Vereadores por quebra de decoro – subiu na tribuna da Casa de short e sem camisa e chamou os parlamentares de “ladrões”, segundo o então presidente da Câmara, Gilberto Freitas (PSC), 44 anos. Com a cassação, o vice Procópio de Alencar (PDT), 75 anos, assumiu a vaga. E mudou de lado.

A situação piorou em 2012 com a derrota da candidata Vânia de Alencar (PMDB), esposa de Vagner e para quem Coló fez campanha. Procópio, com Gilberto de vice, foi reeleito. Além da derrota política, Coló amargou a perda de um “Gol quadrado” numa aposta e viu de perto a possibilidade de ter cassada a concessão de 15 anos de exploração do quiosque dada por Vagner em 2009. Comprou de volta o veículo por 3 mil reais. Mas o que deixou Coló mais furioso foi o “bullying político”.

Relatos de moradores dão conta que, passadas as eleições, todos os dias tinham piadas: “Coló vai perder a concessão do quiosque”; “Perdeu o carrão na aposta em Coló”; “Coló, vai pro mato e fica lá, você não vai mais ter do que viver mesmo…”. O carro de som da campanha de Procópio, mesmo com o fim da campanha, segundo a polícia, não parou de rodar e passava na rua de Coló até com músicas direcionadas a ele.

Nervoso com as piadas, com o carro de som e com medo de perder o quiosque, o caçador decidiu fazer “uma desgraceira na cidade”, conforme revelou ao amigo Jacinto Gomes dos Santos, 56 anos, vigilante, e que não levou Coló a sério. O caçador escolheu o sábado, dia mais movimentado em Jussiape por conta da feira, para fazer a matança. Municiou a cartucheira calibre 32 e o revólver adaptado para balas de pistola 357, botou embaixo do braço uma sacola com um facão e uma faca dentro, e trançou ao corpo três cinturões de balas.

Brincou com o filho de 4 anos de uma vizinha e passou na casa da mãe para avisar que iria “fazer uma caçada”. Em direção à casa de Procópio, viu o gerente da Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa), Oderlange Novaes, 46 anos, no bar “K te espero”, onde entrou e na saída disparou na cabeça da vítima, que morreria dentro de uma ambulância.

Enquanto a correria e o desespero começavam na cidade, Coló ia andando para a casa de Procópio. No caminho, viu a primeira dama Jandira Alencar, 71 anos. Atirou na cabeça. Jandira se mexeu, ele deu outro tiro. Foi ao consultório médico de Procópio, ao lado da casa do gestor. Coló mandou todo mundo sair. Ainda houve tempo para uma discussão, antes dos dois tiros na cabeça que mataram o prefeito.

E continuou a caça…

Na feira, Coló viu o policial militar Miquéias Lopes, 29 anos, e o baleou na perna direita. Segundo moradores, disse ao PM: “Não é vocês que eu quero”, e deu as costas. Outro policial correu para pedir reforço de PMs de cidades vizinhas. Em seguida Coló avistou Albênio Novaes, 44 anos, irmão de Oderlange. Albênio também o viu. “Ele mirou a espingarda, abaixei e sai correndo”, declarou Albênio, que se escondeu num comércio.

O caçador foi à casa de Sílio Luz, ex-prefeito de Jussiape, não o encontrou. Seguiu para a casa de Gilberto, vice eleito de Procópio. Não o encontrou. Se dirigiu à casa de Nadir Freitas, 82 anos, pai de Gilberto. Encontrou o idoso sentado na varanda, mirou a espingarda na cabeça, mas recuou após atender ao pedido de um neto de Nadir: “Por favor, não mate meu avô”, e Coló disse, segundo o idoso: “Só não te mato porque seu neto está pedindo”.

image Foi à casa de um homem de prenome Edson, não o encontrou e voltou a casa de Nadir, arrependido de não tê-lo matado. Deu viagem perdida. O caçador olhou para praça, só viu gente que não queria matar, resolveu ir ao seu quiosque pegar um refrigerante. Sentou-se num banco, conhecidos se aproximaram para pedir que parasse a matança e fugisse. Coló não deu ouvidos, tomou goles do refrigerante e observou o lavrador Djalma Ribeiro, 43 anos, vindo de moto.

“Quando me viu, mandou parar e disse: ‘me leve ali. Já matei três e não tente fugir que atiro em você’”, contou Djalma. Coló tentou encontrar João Batista, 56 anos, que estava escondido no quarto, ao lado do posto de gasolina. “Volto aqui pra por fogo no posto, Batista”, disse Coló. Foi pra casa de Gileno Carvalho, 41 anos, que andava com o carro de som de Procópio. O caçador disse a conhecidos que a sacola com o facão era para, após matar Gileno, arrancar a cabeça dele e expô-la na praça da feira.

Sabendo da matança, Gileno fugiu pelos fundos da casa. Coló arrombou a porta e o procurou até embaixo da cama. Djalma pensou em fugir, desistiu. Voltaram para a praça. Já pensando numa fuga, Coló tentou abrir uma caminhonete D20 carregada de frutas e legumes. O reforço policial chegou. A uma distância de 20 metros, Coló observou o policial Givanildo Alves, 31 anos, descer da viatura e, com um tiro de espingarda, o atingiu na cabeça – o PM ainda está em coma induzido.

Coló ficou atrás de Djalma e tentou recarregar a cartucheira. Foi o tempo de um PM disparar um tiro de fuzil que atravessou a clavícula de Djalma e atingiu Coló no ombro esquerdo. Por pouco a PM da Bahia não fez a quarta vítima da matança. No chão, Coló recebeu um tiro de fuzil na boca e outro no coração. Após uma hora em que Jussiape foi dele, o caçador morreu como os animais que abatia. Djalma está no Hospital de Base em Vitória da Conquista (sudoeste baiano) se recuperando bem do ferimento.

Coló não teve velório. A mulher, assim que o corpo chegou, mandou que o enterrasse por medo de a população se revoltar e invadir o funeral. No mesmo dia, porém, alguém surtou e tentou por fogo no corpo do caçador. Sem êxito. Já o velório de Procópio e Jandira atraiu a presença do governador Jaques Wagner (PT) e do presidente da Assembleia Legislativa da Bahia, Marcelo Nilo (PDT).

O governo reforçou a segurança em Jussiape, colocando por três dias 25 policiais militares e deixando até dia 1º de janeiro de 2013 onze homens da PM na cidade, incluindo aí os três fixos que lá já tinham. Mandou também uma viatura semi-nova. O atual prefeito de Jussiape, Gilberto Freitas, achou pouco. A família de Coló não vai mais morar na antiga casa porque a filha dele de 10 anos não entra mais lá – Coló deixou ainda um filho de 17. “A menina era muito apegada a Coló, e ele a ela”, contou a viúva. (Carta Capital)

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8 Resultados

  1. Dilto Anacleto Ferraz Oliveira disse:

    Isso é pouco pra políticos que gostam de infernizar a vida alheia; enviar-lhes logo para o inferno pra eles deixarem a vida dos humanos em paz. Agora eles infernizam a vida do capeta. Bem feito!

  2. Airon disse:

    Ou seja, se tivessem parado com as piadas, com a humilhação e com a perseguição política, todo mundo estaria vivo numa boa, governando a cidade e seguindo seus trabalhos.
    Agora, além da pessoa perder na política, tem que suportar humilhação e todo dia ser ameaçado que vai perder o ganha pão da família.
    Talvez com esse relato aqui no blog as pessoas vejam que tudo tem limites, as piadas as pertubações, as ameaças e inclusive a razão e o juizo dos homens.
    Desfecho tragico para várias familias, foi isso que a rincha politica rendeu nessa cidade.

  3. Leitor disse:

    fatos de ambas as partes foram mostrada, culpo tanto um quanto o outro pela tragedia
    daria um filme legal para os políticos assistirem

  4. pelegrini disse:

    É verdade, Airon.

  5. Leitor disse:

    Cara isso é o roteiro de um filmaço!!! Kd Walter Salles? A ULTIMA CAÇADA

  6. MARIVAN disse:

    NÃO É DESSA FORMA QUE RESOLVE PROBLEMAS. AS PESSOAS TÊM QUE TER AMOR A SUA FAMÍLIA E AS SI MESMO. EXISTEM FATOS QUE DEVE TER ESPAÇO NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO, PQ TEM MUITOS PISICOPATA EM NOSSO MEIO….

  7. Ricardo Hage disse:

    Pelegrini, importante relatar este fato nos mínimos detalhes, só assim podemos perceber como temos que ter respeito pela liberdade de escolha das pessoas em termos de opinião, gosto e demais temas que nos fazem ser seres diferentes.

    Uma historia muito triste, mas de profundos detalhes para uma reflexão em termos de relacionamentos humanos. Fica aqui um alerta para todos nós, Respeito é Bom e Todos Nós Gostamos.

    Com muita tristeza pelas vidas perdidas, pelas famílias das vitimas e pelo autor de toda essa barbaridade injustificada.

    Ricardo Hage

  8. marcio vieira disse:

    Pelé
    O ex prefeito é um bandido cumpriu pena no Carandiru, colo foi usado por esta quadrilha que perdeu a eleição,
    nesta história tem mais bandido que mocinho. o povo de Jussiape tem culpa por está sempre vendendo o voto .

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