(RE)CONHECER A ESCRAVIDÃO EM VALENÇA
por Silvana Andrade dos Santos
Existiram pessoas escravizadas em Valença.
Estas pessoas foram empregadas no trabalho rural, nas roças de mandioca, cacau e de cana, entre outros gêneros. Também foram utilizadas como mão de obra na Fábrica Têxtil Todos os Santos. Mas não só, elas desenvolveram formas de resistência, laços de solidariedade e sociabilidade, e deixaram legados culturais que são visíveis hoje na sociedade valenciana.
Essas afirmações podem causar surpresa em alguns leitores e leitoras, eu entendo. Por muito tempo, a História se resumiu à narração e ao enaltecimento de feitos políticos e econômicos realizados por membros da elite. Há algumas décadas, no entanto, produções realizadas por pesquisadores e pesquisadoras e por movimentos sociais, tanto sobre o Brasil, como sobre Valença, têm trazido à tona a presença e as contribuições da população africana e afrodescendente para a formação da nossa sociedade, bem como o peso que a escravidão teve na constituição das enormes desigualdades que a permeiam.
A existência destas pesquisas e movimentos, a farta documentação disponível em arquivos (parte da qual pode, inclusive, ser acessada virtualmente e gratuitamente), e os registros vivos na memória de valencianos e valencianas evidenciam a presença da população africana e afrodescendente em Valença muito antes do ano de 1888. Assim, se torna insustentável afirmações como a realizada nas redes sociais da Prefeitura de Valença no último dia 10 de novembro, sobre a inexistência da escravidão no município.
No século XXI, com acesso à informação, literalmente, na palma das nossas mãos, não deve haver espaço para propagação de afirmações tão imprecisas e equivocadas como aquela. Mas, é sempre tempo de aprender. Se se considera que os debates sobre a presença escrava em Valença ficam restritos em determinados grupos, talvez seja hora do poder público contribuir, justamente, para a promoção de espaços voltados para se (re)conhecer a existência da escravidão em Valença.
Sobre a autora: Silvana Andrade dos Santos, é graduada em História pela Universidade do Estado da Bahia, Mestra e Doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense e Pós-doutoranda em História na Universidade de São Paulo. Há mais de uma década se dedica a estudar a escravidão em Valença. Recentemente, lançou o livro “Tecido pela escravidão: tráfico e indústria na Fábrica Têxtil Todos os Santos (Bahia, c. 1840-1870)”.
Para saber mais sobre a escravidão em Valença:
- Site Memórias do Baixo Sul
- Canal no YouTube da Especialização Relações Étnico-Raciais e Cultura Afro-Brasileira na Educação do IF-Baiano
- Dissertação de Claudiana Cardoso: “Experiências do cativeiro: escravidão, conflitos e negociações em Valença”
- Dissertação de Silvana Andrade dos Santos: “Os desdobramentos do fim do tráfico transatlântico em Valença”
- Livro de Silvana Andrade dos Santos: “Tecido pela Escravidão: tráfico e indústria na Fábrica Têxtil Todos os Santos”
- Livro de Nelma Barbosa e Scyla Pimenta (organizadoras): “Baixo Sul da Bahia: território, educação e identidades”
Da UFF e cavucou os porões da BN. Ñ tem como errar.