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por Alcides Bulhões*

A BUSCA PELO DIREITO CONSTITUCIONAL DA SAÚDE E O PROGRAMA MAIS MÉDICOS

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, fruto do anseio popular, o Estado pegou para si responsabilidade ampla e irrestrita de prover o bem estar social. Decerto que ao longo dos quase 25 (vinte e cinco) anos, muitas obrigações contraídas não foram integralmente cumpridas e estão ao aguardo de políticas públicas voltadas ao cumprimento do quanto se estabeleceu legalmente. Exemplo claro da busca pelo cumprimento da obrigação Constitucional, o programa “Mais Médicos” possui grande relevância e merece análises mais profundas do que, apenas, aquelas trazidas pela minoria da população: os Médicos brasileiros.

Em termos expressos, a Carta Maior, estabeleceu que:

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (Art. 196 da CF);

“É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência” (Art. 23, II);

“Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: previdência social, proteção e defesa da saúde” (Art. 24, XII);

“Compete aos Municípios: prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população ( Art. 30, VII).

Fato que, inobstante a vontade constitucional seja louvável, não resta dúvidas de que o Estado não adquiriu status de cumpridor de todas as garantias estabelecidas legalmente.

São muitos fatores contribuem para o descumprimento normativo, dentre eles podemos citar: a grande extensão territorial; as desigualdades regionais; a corrupção; falta de comprometimento de alguns profissionais da saúde; a carência quantitativa de profissionais e a falta de políticas públicas voltadas a investirem e fiscalizarem a festão da saúde.

Fora dos grandes centros metropolitanos, a saúde é fornecida de maneira extremamente precária. Faltam-se Hospitais, Médicos, Enfermeiros, Medicamentos, enfim, toda uma estrutura condizente ao bom desempenho da louvável profissão médica.

Os pobres, miseráveis, postos à margem da sociedade, não possuem oportunidade alguma de receberem atendimento médico condizente com a dignidade que a pessoa humana merece. Não pouco, vêem-se na “mídia” e pessoalmente relatos de descasos médicos e ambulatoriais. Pessoas se amontoam em macas improvisadas e corredores insalubres, frios e tenebrosos sem que a saúde buscada seja mantida ou resguardada.

Lógico que avanços tivemos. Dantes sequer existia a segurança de um Estado Provedor da saúde; somente aqueles que possuíssem seguro (INPS) ou morassem em cidades com as Santas Casas de Misericórdia conseguiam, mesmo que de maneira precária, a garantia de atendimento médico.

A criação do Sistema Único de Saúde, grande vitória democrática, trousse avanços e ao mesmo tempo dificuldades ao Estado que necessita, a todo o momento, renovar-se e estruturar a administração dos setores voltados à manutenção da saúde do “Povo”.

Daí porquê, em que pese o entrave burocrático legislativo existente, o programa “Mais Médicos”, instituído pela Medida Provisória nº 621/2013, surge como mais um dos atos administrativos voltados à manutenção e garantia do direito amplo à saúde de todos.

Objetiva-se com o programa:

“Diminuir a carência de médicos nas regiões prioritárias para o SUS, a fim de reduzir as desigualdades regionais na área da saúde; fortalecer a prestação de serviços na atenção básica em saúde no País”;

“Aprimorar a formação médica no País e proporcionar maior experiência no campo de prática médica durante o processo de formação”;

“Ampliar a inserção do médico em formação nas unidades de atendimento do SUS, desenvolvendo seu conhecimento sobre a realidade da saúde da população brasileira;”

“Fortalecer a política de educação permanente com a integração ensino-serviço, por meio da atuação das instituições de educação superior na supervisão acadêmica das atividades desempenhadas pelos médicos;

“Promover a troca de conhecimentos e experiências entre profissionais da saúde brasileiros e médicos formados em instituições estrangeiras”;

“ Aperfeiçoar médicos para atuação nas políticas públicas de saúde do País e na organização e funcionamento do SUS”; e,

“Estimular a realização de pesquisas aplicadas ao SUS”.

Porém, inobstante sejam os supramencionados objetivos louváveis, a cada dia encontramos manifestações contrarias ao mencionado programa.

Fato notório e que nos impressiona é que a maioria das manifestações deriva das entidades de representação Médica e pautam-se no fato de que os Médicos estrangeiros não seriam submetidos ao procedimento comum de revalidação do diploma estrangeiro (e, portanto, não teriam capacidade técnica para exercer a profissão) e que estariam retirando espaço dos médicos recém formados.

Como se sabe, o projeto será oferecido aos Médicos formados em Instituições de Educação Superior Brasileiras ou com Diploma revalidado no País; e, aos médicos formados em instituições de educação superior estrangeiras, por meio de intercâmbio médico internacional (Art. 7º). E, justamente quanto aos médicos em intercambio internacional que protestam.

Nos parece, a priore e com todo o respeito que os profissionais médicos merecem, que persiste pouca razão aos mesmos quando se apresentam de maneira arredia e contraria à tentativa de cumprimento de uma norma constitucional de proteção à saúde pela sistemática do Mais Médicos.

Longe de ser considerada uma invasão estrangeira, o programa tem dado prioridade ao médico nacional.

Ora, nos termos do Art. 7º, §1º da medida provisória, a seleção e ocupação das vagas ofertadas no âmbito do Projeto Mais Médicos para o Brasil observa a seguinte ordem de prioridade:

“I – médicos formados em Instituições de Educação Superior Brasileiras ou com Diploma revalidado no País;”

“II – médicos brasileiros formados em instituições estrangeiras com habilitação para exercício da medicina no exterior; e,”

“III – médicos estrangeiros com habilitação para exercício de medicina no exterior.”

Desta forma, apenas quando não preenchida as vagas pelos brasileiros é que se acolherão profissionais de outros países.

Lembra-se, por oportuno, que os profissionais estrangeiros não poderão, também, exercer a Medicina Privada (com dedicação exclusiva ao projeto) e terão visto, apenas, provisório de 3 (três) anos para participarem do programa, podendo ser renovado por, no máximo, 1(uma) vez e serão avaliados constantemente.

Ademais, o fato dos profissionais estrangeiros não serem submetidos ao processo de revalidação do diploma, não é o bastante para uma negativa ao programa. Até por que os profissionais advindos de outros países, nos termos da Medida Provisória, também, serão submetidos a exame técnico e rigoroso.

Reclama-se, também, do valor da “bolsa auxilio”, a bagatela de aproximadamente R$: 10.000,00 (dez mil reais) (Muito pouco, não?!) e o fato da necessidade dos estudantes de medicina serem obrigatoriamente, submetidos a período de “aperfeiçoamento” profissional pelo programa.

Se confrontarmos os princípios jurídicos que a presente controvérsia possa trazer, restará claro que, na queda de braço de divagações de idéias, os críticos do programa saem perdendo.

Ora, pensar diferente disso é dar azo à injustiça, a prevalência dos interesses individuais sobre o coletivo e, não por acaso, à xenofobia.

Não esqueçamos de que o projeto busca fornecer auxílio na prestação dos serviços de saúde justamente àquelas cidades que alguns médicos brasileiros fogem de exercer sua função ou até, quando exercem, apenas recebem os proventos sem que haja o efetivo exercício da medicina, deixando a comunidade desguarnecida.

Não precisa ir longe para evidenciar a existência de cidades sem que haja um Médico sequer. Há algum tempo, tivemos a oportunidade de participar do Projeto Rondon em uma cidade do sertão baiano quando lá nos deparamos com esta caótica situação: no posto de saúde local, pasmem, existia apenas um Dentista que exercia a função médica fazendo atendimento e prescrever receitas médicas aos munícipes. Estranheza nos causara, mas a realidade é crua e nua; se não fosse aquele profissional que, ao menos, possuía algum “conhecimento” das ciências naturais, não existiria qualquer resquício de serviços de saúde.

Por óbvio que o problema está longe de ser resolvido, apenas, com o Programa “Mais Médico”

Também, não se está aqui a bestificar aos manifestantes contra o projeto. Até por que, muitas dessas cidades sequer possuem uma estrutura básica que possibilite aos Bacharéis em Medicina uma condição de vida saudável e que possam ostentar o status derivado de seu pronome de tratamento: Doutor.

Toda pessoa quer o melhor para si e sua família. Ilógico pensar que após desgastante período de dedicação acadêmica, iria submeter-se ao trabalho árduo em local que não possua estrutura que lhe forneça ao menos conforto.

Mas, por outro lado, não restam dúvidas de que a Medicina seja um sacerdócio. A busca pela saúde de seu paciente e da coletividade deve estar acima de questões de ordem individual e principalmente financeira. E, até o momento, com a não aceitação da comunidade médica brasileira, nos parece que os médicos estrangeiros estão dando a demonstração de que confiam no projeto e estão engajados em contribuir com a saúde da população carente de nosso País, sendo temerária, por ora, qualquer manifestação contrária à vinda dos respeitados profissionais.

Por esta razão não coadunamos, em grande maioria, com as manifestações contra o “Mais Médicos”. Em tempo, deseja-se que o impasse existente seja superado posto que os municípios e munícipes precisem urgentemente desta contribuição. Ciente que não é a fórmula mágica com a qual o Estado irá resolver todos os problemas enfrentados para promover a saúde de “todos”, mas é um bom começo, diante da evidenciada necessidade de maiores investimentos.

* Alcides Bulhões é advogado; Especialista em Direito Público e Processual;
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC; Especializando em Direito Constitucional pela Faculdade Damásio de Jesus – FDJ; Organizador de Eventos.

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1 Resultado

  1. Estudante disse:

    Ótimas reflexões!
    A classe médica brasileira resiste com o único objetivo de manter a relação médico população desequilibrada em seu favor. O problema desse corporativismo exacerbado é que isso custa a saúde do povo, principalmente do mais pobre!!!
    Os médicos brasileiros precisam ser mais humildes e humanos.

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