A nova face do Golpe
Por Mauricio Sena
Todo movimento golpista começa com um ar desacreditado de simples “Teoria da conspiração”, ninguém acha ser possível até que a situação toma um rumo incontornável. Mesmo diante das inúmeras tentativas de tomada do poder pela força, só lembramos àquelas que prosperaram, as que fracassaram são reservadas aos anais da história. A consumação se deve a soma de fatores políticos e sociais que geralmente estão associados ao confronto de interesses, estagnação econômica e insatisfação de uma parte da sociedade. Foi assim com Getúlio ao enfrentar os grandes interesses expropriatórios estrangeiros e com Jango ao tentar implementar as reformas de base. A questão jurídica nesse momento é secundária, o crime de responsabilidade definido na lei torna-se apenas uma peça decorativa que aparece a reboque dos acontecimentos políticos.
Em 12 de fevereiro de 1954 na edição vespertina de O GLOBO, matéria de destaque revelava um movimento de inquietação nos quartéis que logo depois foi confirmado por outros veículos de comunicação. O general Ciro Cardoso, então ministro da guerra, teria convocado seu gabinete para deliberar sobre um ainda suposto manifesto contra o governo assinado por 90 oficiais das forças armadas. Questionado, o ministro minimizou o fato alegando se tratar de reivindicações de rotina da caserna. Uma semana depois o manifesto batizado de “Memorial dos coronéis” tornou-se público e trazia em seu texto uma linguagem agressiva e entre outras coisas exigia a cabeça do ministro do trabalho João Goulart. O silêncio conspiratório do canil foi quebrado dando ao meio militar o fôlego necessário para uma aventura autoritária que para ser interrompida precisou do sacrifício pessoal de Getúlio.
Dez anos após a tentativa frustrada devido ao suicídio de Vargas, o Golpe se consumou. Dessa vez a conspiração triunfara. Tinha falhado em 1961, quando não conseguiu evitar a posse de Jango após a renúncia de Jânio Quadros, mesmo diante de um parlamentarismo remendado que sucumbiu à campanha da legalidade em 1963 liderada por Leonel Brizola. Jango superestimou o seu dispositivo1 e sua relação pessoal com o comandante do segundo exército sediado em São Paulo, general Amaury Kruel, seu compadre. O dispositivo falhou e Kruel se vendeu2. O que parecia improvável se tornou real sem, praticamente, nenhuma resistência. Jango deixou Brasília e seguiu para o Rio Grande do Sul e ainda em território brasileiro o senador Auro de Moura Andrade declarou vaga a presidência da república. O golpe dentro do golpe, a sutileza da ilegalidade grotesca.
Vivemos momentos que remontam outros de um passado recente. A ação de interesses econômicos poderosos e expropriatórios, uma imprensa anárquica e seletiva3, parte da classe média insatisfeita e violenta, uma classe política representada por um legislativo meramente fisiológico e um governo encurralado, momentaneamente, sem apoio popular. A face do golpe agora é institucionalizada, não necessita mais de aventuras caudilhescas com amparo militar, a montagem do cenário possui o invólucro da legalidade amparada por bandeiras moralistas, principalmente no trato com a corrupção. É a velha moralidade a serviço da imoralidade. São três vias, a eleitoral, defendida pelas “viúvas” derrotadas na eleição de 2014, a do impeachment, cujo principal conspirador é o vice-presidente da república4 e por último a via “sádica”, dos que preferem ver o governo sangrar até o fim, uma estratégia silenciosa para retornar ao poder em 2018.
Será que as nossas instituições já consolidaram o amadurecimento democrático necessário para evitar novas aventuras autoritárias? Essa é a pergunta! E os movimentos sociais e a sociedade civil organizada será que vão assistir essas manobras pela TV ou vão para as ruas? Outra! A questão não passa especificamente pela defesa do governo Dilma e sim pela defesa do Estado democrático, das instituições e do processo eleitoral. Mesmo pra quem não gosta do governo, que fique claro, o impeachment não é remédio para deposição de governo do qual não se concorda. Para aqueles que insistem na escalada golpista cito o deputado Almino Afonso em 1964; “O que importa é marcar com ferro em brasa a cara dos que, nesta noite dramática, ousem falar em nome da Constituição, enquanto eles mesmos estão a rasgá-la e, sem nenhum pudor, estão aplaudindo a baderna dos insurretos!”
- Dispositivo foi a denominação dada no Governo Jango a um conjunto de ações com o intuito de se evitar motins e insurreições nos quartéis.
- Sobre a traição de Kruel, ver depoimento do major Erimá Moreira, em que ele afirma ter visto o general receber seis malas abarrotadas de dólares cujo portador era o vice-presidente da FIESP, Raphael Noschese. (http://www.institutojoaogoulart.org.br/video.php?id=254)
- Estou me referindo ao PiG (Partido da imprensa golpista)
- Michel Temer controla parte significativa do Congresso Nacional e tem como principal aliado o presidente da Câmara dos deputados, o enfadonho Cunha.
Para tudo….
prezado Maurício, querer cobrir tanta coisa errada lembrando de outras coisas erradas?????
Esse discurso atrasado de quem se quer ganhava eleições para gremio estudantil…..
abra o olho rapaz….o tempo passa…..as pessoas crescem. …esse discurso ja era
Caro Antonio, sugiro que releia o texto do Sr. Maurício sena, mas desarmado e com calma. o articulista está fazendo uma defesa da democracia brasileira, que está sendo ameaçada com esse golpismo inconsequente de um setor irresponsável e reacionário da nossa política. Leitura rasteira é querer negar a ver a lição da história (muito esquecida) para se prender no deja-vù do moralismo que apoiou o golpe de 1964 – e cujas consequencias sabemos (ou deveríamos saber). Sim, apuremos os erros , MAS DENTRO DA LEGALIDADE e da DEMOCRACIA. Nada de Impeachment sem fundamento e sem tapetão. É isso que depreendo do texto do senhor Maurício Sena – aliás, soberba aula de história e lucidez na discussão política.
Papo furado e proselitismo político Puro.
Desde quando entrar em defesa da corrupção é “salvar” a democracia e informar e repudiar a corrupção instalada e institucionalizada é golpe?
Tirar o Collor por corrupção (o que foi muito acertado) foi história, orgulho de uma geração de um país….. Falar da corrupção do PT é golpe, não pode…. Me poupem
Coloquem Dilma, Lula, Zé Dirceu, Vacari, Palocci, todos num altar e vamos pedir desculpas a eles e dizer que foi um engano, que tudo isso é obra do imperialismo ianque, obra do tio sam…
Acordem, reflitam, reoxigenem o partido. Assumam os graves erros, punam quem são os responsáveis por toda a roubalheira (e olha que não sao poucos) e mudem o discurso…..o golpe, evento que manchou a democracia brasileira e matou vários brasileiros e atrasou nosso desenvolvimento, jamais deve ser esquecido, mas ele não pode ser utilizado como desculpa pra tudo principalmente para a roubalheira institucionalizada.
Do fim do golpe pra hoje já são 30 anos…..por favor, até quando isso ira ser a culpa de tudo?
Vamos assumir os erros. A roubalheira foi demais e esta ai provada e atinge a todos os atores na política. Querer encobrir isso é subestimar o povo brasileiro
Antonio, obrigado. Você acaba de ilustrar exatamente o tipo de atitude que levou ao golpe de 1964 e está armando contra a democracia em 2015. E da necessidade do brasileiro conhecer mais a própria história…
Olha o XPTO de volta, gennntteeee!!!
O Brasil parece conviver diuturnamente com uma especie “sindrome do impeachment”.Explico:e que desde o saudoso D.Pedro 2 presenciamos ondas como essa que hoje vivemos.As consequencias sao variadas:desde a deposicao do monarca e dos ex presidentes collor e Goulart;pressoes desumanas sobre governantes-Vargas (ha tempos atras li as biografias de nossos primeiros presidentes:floriano,deodoro,morais,campos sales,afonso pena e Rodrigues Alves.Todos conviveram com esses riscos).E lembrando aos petistas que houve o fora fhc ,se nao me engano,em 1999.
Discutir essa questao temos que transpor o discurso esquerda-direita;elite -povo;e centrarmos no que mais importante :a questao democratica e do respeito ao Estado de Direito e a constituicao.
Importante,de igual forma, e nao nos descuidarmos com o linguajar usado :golpe,petralhas,e congeneres.
Conduzir uma discussao dessa forma nos liberta de uma formula chata e inocente de apenas relacionar de forma dual o que acontece.O abuso ocorre dos dois lados:do lado da imprensa golpista(se e que se pode chama-la assim.Prefiro chamar de oportunista) tenta-se semear a percepcao de um estado caotico.Do outro lado ,a imprensa alinhada ,tenta incutir a ideia de que estamos vivenciando um pre-golpe,tentando tapar o sol com a peneira sobre fatos que sao notorios