Lições democráticas de Abril: revolução portuguesa e ditadura brasileira
Por Ricardo Vidal*
Duas datas em abril marcam profundamente a história política recente do Brasil e de Portugal, e que, nesse ano de 2014, leva a muitas reflexões sobre a importância de se construir uma democracia social e forte. Nessa sexta, dia 25, os portugueses comemoraram os 40 anos da Revolução dos Cravos. E no primeiro de abril passado, os brasileiros relembraram os 50 anos do golpe que derrubou o governo constitucional de João Goulart e implantou a Ditadura Militar.
Em ambas as datas, a participação dos militares foi determinante para decidir o futuro político da nação. Mas, se no Brasil, a ação dos generais e almirantes levou a uma ditadura longeva e sanguinária; em Portugal aconteceu o inverso: o Movimento das Forças Armadas (MFA), formados majoritariamente por capitães, abriu o caminho para que o sol da democracia plural e republicana volta-se a nascer nas terras lusitanas.
Dez anos separam os dois fatos ocorridos. Em 1964, o crescente apoio popular para as reformas de base proposta por Jango, para o avanço necessário de nossas instituições democráticas encontrou forte resistência dos setores conservadores da sociedade brasileira. Assim, contando com suporte financeiro dos Estados Unidos, esses setores conspiraram com a nata do generalato e do almirantado brasileiro para a derrubada do presidente. Em 31 de março ocorreu a movimentação das tropas e no dia seguinte o Congresso Nacional declarou vaga a presidência da república (diga-se de passagem, de forma ilegal, haja vista que o presidente ainda se encontrava em território nacional). E, curiosamente, no dia da mentira, os golpistas declararam vitoriosa a (pseudo) Revolução (?) “Redentora” (????). Redenção, para quem, nunca se soube… O resultado foram 25 anos de regime de exceção, com arrocho salarial, suspensão dos direitos humanos mais elementares, torturas, mortes e exílio de patriotas.
Já em 1974, os portugueses encontravam-se em um momento de crise. As torturas e a perseguição política, isolamento internacional, estagnação econômica e a guerra colonial na África levavam ao enfraquecimento do Estado Novo salazarista (regime fascista surgido em 1933, sucedendo a Ditadura Nacional surgida em 1926). Em resposta a essa situações, capitães reunidos no MFA deslocaram suas tropas durante a madrugada de 25 de abril para ocupar os pontos estratégicos de Lisboa. E durante todo dia, quando a população soube do levante, também aderiu à causa dos militares. Como sinal do caráter pacífico da revolução, passou-se a distribuir cravos vermelhos para os soldados, que os levavam dentro dos canos das espingardas. O governo ditatorial praticamente caiu sem resistência (exceto uma escaramuça por parte da política, os demais setores da burocracia ditatorial aceitaram apáticos à mudança de chefia da nação) e nos dois anos seguintes (conhecido como “Período Revolucionário em Curso”), Portugal viveu um rico período de liberdade e reorganização do Estado, com respeito a pluralidade ideológica. Houve a adoção de políticas sociais e democráticas avançadas, que culminaram, dentre outras coisas, no processo de independência em Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Dois anos depois, com a entrega da Constituição de 1976, os militares discretamente saíram da cena política, retornando à condição constitucional de servidores públicos no setor da defesa da república.
Diante desses dois fatos históricos, salta aos olhos o contraste na atuação das duas Forças Armadas. A doutrinação autoritária que os generais brasileiros conduziram o Brasil para três décadas perdidas em avanços sociais, com o sucateamento da educação, a falta de liberdade da ação sindical e a instalação de clima de terrorismo de Estado, que resultou em torturas e mortes de patriotas brasileiros que não concordaram com o regime de exceção. E sequelas desse período ainda hoje nós sentirmos, não apenas com a dificuldade da instalação das Comissões da Verdade (cuja apuração dos crimes cometidos pelo Estado visa à necessária pacificação histórica da nossa sociedade). A falta de educação política, aliados ao fisiologismo, à corrupção, ao personalismo ainda gracejam como câncer no nosso cenário político, são os frutos que ainda colhemos devido à Ditadura Militar.
Em contrapartida, os militares portugueses perceberam que seu papel profissional de servir na defesa do Estado implicava, em última análise, na defesa das liberdades e do bem estar do povo. Destituiu uma ditadura, quando era necessária, sem se apossar do poder para gerar outra quimera. No chamado Período Revolucionário em Curso, tiveram a sabedoria de permitir que a pluralidade ideológica voltasse a aflorar no seio da sociedade portuguesa, permitindo que tanto conservadores de diversos matizes, democrata-cristãos, liberais, socialistas e comunistas de todas as tendências pudessem participar no processo da elaboração de uma nova norma constitucional. E, evitando cair na tentação de monopolizar o poder, souberam sair de cena com serenidade, voltando a cumprir sua função primária de defesa.
Essa é a grande lição que o Abril de 2014 deixa: A democracia com justiça social ainda é o melhor regime que uma sociedade pode viver e, como valor perene, deve ser preservado. Conquistas como a entrada de Portugal na União Europeia e as atuais políticas sociais implantadas no Brasil só foram possível durante os períodos em que Democracia floresceu nos dois países. E mesmo que escândalos e crises possam ocorrer, devemos lutar para não ocorra novas intervenções militares na vida política nacional. Tanto no Brasil como em Portugal, o mais se precisa é de cravos vermelhos florindo em abundância, para adornar e fortalecer a Democracia.
*Ricardo Vidal
Escritor & Professor
Membro da Academia Valenciana de Educação, Letras e Artes (AVELA)
Pois é bem assim, exemplos não faltam desse tipo de atitude basta olhar para Brasília.
Parabéns Pelegrini por essa excelente matéria!
Não só ao Prefeito dou meus Parabéns, mas em especial ao Governador Jerônimo Rodrigues por ter aceito a EMENDA do…
[…] dignas de nota triste, como enterrar uma baleia em plena faixa de areia, como ocorreu em Valença, em novembro…
Como Levi Vasconcelos,só queremos o melhor pra Valença. Isso aí Marcos Medrado mostre mesmo o seu potencial. Só quem ganha…